segunda-feira, 28 de abril de 2014

17/04/2014: Sobre eu mesma.


"Era lamentável: o cheiro das amêndoas amargas lhe lembrava sempre o destino dos amores contrariados."
            
Jamais pude esquecer o inicio de "O amor nos tempos do Cólera". Imagine só, aos 16 anos, estudando em uma escola de química finalmente achar uma aplicação prática pro cianeto? E essa aplicação prática ser tão trágica? E todos os risos abafadinhos que dávamos lendo uma apostila teórica em relação ao cheiro das amêndoas, não soarem tão engraçados assim?

O primeiro livro que li dele, foi “100 Anos de Solidão”, depois “O Enterro do Diabo”, ambos, peguei na biblioteca do ensino fundamental. Eu estava naquele processo natural de largar as aventuras das sobrinhas da bruxa Onilda – isso começou, sem dúvidas, após eu ler “Viagem ao Centro da Terra”, do Verne –; na minha estrada, houve Sidney Sheldon, Dan Brown e sem arrependimentos, alguns outros títulos de suspense (até mesmo um do Paulo Coelho, “O Demônio e a Srta. Prym”), mas nunca foram lá meus prediletos, por isso, encontrar um livro com as páginas amareladas, as pontas dobradas e a capa prestes a desgarrar-se do resto dos papéis que aguardavam pelo ácaro enquanto carregava a palavra “solidão”, era algo que eu precisava. Eu me lembro, que só quis o livro pelo peso da palavra. Aos 13 anos, não era o tipo de coisa que eu conseguia definir, era algo que parecia claramente espalhado pelo meu corpo, mas que eu não podia entender. Mais do que qualquer suspense, aquela palavra, estava cercada de mistérios: parecia tão próxima, tão minha, mas de alguma forma, eu não sabia usá-la.
            
Uma vida inteira baseada em festas intermináveis desabando em alegrias murchas. Alegrias alegres por serem suficientemente tristes. Comemorações características de estar só, mesmo estando em grupo. Pequenas decadências. Um grande aglomerado esperando tudo ruir – quando conheci Fellini alguns anos depois, acho que todo o meu amor teve suas origens trabalhadas em Gabo. A parede descascando, os móveis quebrando, a comida aos desperdícios sendo atirada ao lixo e muitos outros excessos a nos diluir até podermos enfim, desprendermos de nós mesmos; esquecermos a nós mesmos. Seu Realismo Mágico – ah!, que encanto soava e ainda soa, pensar em algo assim – funciona como alerta, um alerta ao absurdo que é ouvir um despertador tocar e ir pegar o trem das oito da manhã. É como ver um mundo absurdo que pode ser aqui ou lugar nenhum. É como já disse, uma grande farra, uma magnífica destruição.
            
Acho que esses encontros, me ajudaram a conviver com esse e outros demônios; principalmente, com essa chama dentro da gente que sempre grita que não é o suficiente. Um brilho que me inspira, que me faz entender o sentimento sem sentido – por descartar o bem-estar e a praticidade, por ser inútil em suas tentativas de trazer conforto – de manter um galo de briga em “Ninguém Escreve ao Coronel”; ver um mundo desabar na sua solidão de sentir algo por alguém que morreu e ninguém se importou – “Crônica de uma Morte Anunciada” –; a resignação por trás de saber o que no corpo instintivamente pesa; saber que é tudo seu, egoistamente seu.
            
Talvez, eu não tenha dito o que eu quero dizer. Talvez, Borges ao afirmar: “Ler, antes de tudo, é uma atividade posterior à de escrever: mais resignada, mais civil, mais intelectual”, no prólogo de História da Infâmia, tenha dito parte do que ousei pensar. Talvez, não há nada que possa ser feito. Talvez, não seja útil, talvez, seja solitário demais, talvez, não venha nem a ser nosso porque não se pode possuir à nada e talvez, não vá me levar à lugar nenhum. Talvez, eu não vá me curar. Talvez, o passo seja maior do que minhas pernas; ousado demais pra uma menina medrosa demais. Talvez, tentar escrever seja uma questão de tentar ser eu. Dói.