domingo, 28 de dezembro de 2014

Caixa Preta



1-Uma caixinha de fósforos
2-Uma borboleta morta
3-Um caco de taça de champagne
4-Uma sempre-viva
5-Um caderninho em branco

São cinco coisas que eu faço questão de te devolver. Elas foram suas por algum tempo, mesmo que você tenha tomado à força algumas delas. Como no caso da caixinha de fósforos, que você tomou da minha mão quando nos conhecemos. Eu estava andando com a Ana e você surgiu do meio de umas barracas de bebida baratauma aparição vinda do escuro da noite; tão bonito e confuso quanto a ausência do sole me cutucou perguntando se eu tinha fogo. Achei meio estranho isso de me pedir fogo sem nem falar um “com licença”, mas peguei uma das caixinhas de fósforo que tinha comprado pra minha coleção e entreguei na sua mão. Você acendeu um cigarro e começou a puxar assunto com nós duas, algo sobre seus amigos terem ido embora mais cedo e você estar procurando companhia pra ficar até mais tarde. Eu deveria ter te ignorado no momento em que você começou com esse papo estranho e seguido pro bar com a Ana, mas não, eu tava achando o máximo ver seus olhinhos perdidos, apertadinhos; você sorria por nada, sorria de bobeira.
Depois desse dia, que obviamente você me beijou e falou como achava o máximo eu fazer coleção de caixinhas de fósforo, você decidiu que iríamos ao cinema. Você sempre decide as coisas porque a consequência delas nunca te atinge. Fomos ao cinema. Nem consigo lembrar muito bem sobre o que era o filme porque era tão chato...e eu estava muito preocupada em ficar olhando pro seu rosto, na forma largada que você se sentava e ficava batendo os dedinhos no braço da poltrona enquanto os trailers passavam. Você passou o braço por trás de mim deu por missão cumprida; toda a atenção que você achou que eu precisaria seriam resolvidas com aquele braço. Você viu o filme inteiro.
Na saída do cinema eu fiquei sorrindo pro chão pensando em como eu era boba em ficar boba com um casinho de dois dias e um cinema. Aí você me puxou pela cintura, me deu um beijo e arrumou meu cabelo de lado. Disse que achava divertido ver uma garota com gravata borboleta e eu achava o máximo ser a sua garota divertida. Andamos mais alguns passos e você pegou uma borboleta morta no canteirinho de uma árvore e deu na minha mão. Foi o presente mais tétrico que eu já tive, mas foi o único que você conseguiu me dar. Ainda ficou uma meia hora explicando sobre a anatomia, modo de viver e comida predileta das borboletas. Eu fingi um sorriso enquanto olhava pro bichinho morto comparado à minha gravata.
Pulando a ordem da lista você poderia dizer que já me deu outro presente sim, como é o caso dessa sempre-viva. Mas não considero um presente porque naquele dia no parque, eu a vi na lojinha de plantas e fiquei apaixonada. Em um ato de violência contra mim e de heroísmo pra você, você roubou a plantinha, me puxou pra esquina e me entregou. Não sei como aceitei o roubo e o prazer da adrenalina naquele dia.
Depois do cinema você ficou uns três dias sem dar o menor sinal de vida até me ligar na noite do quarto dia, dizendo que na sexta você comemoraria seu aniversário com uns amigos na casa de um tal de Isaac. Fiquei animada com a possibilidade de fazer parte de eventos íntimos da sua vida.
Como você dizia que gostava de escrever, eu encomendei pela internet um caderninho muito fofo para te dar de aniversário. Esse caderninho. Ainda bem que ele chegou só hoje e não no dia da festa, porque agora percebo como é surreal você repetir os erros do mundo de uma forma tão despreocupada; como gostar de escrever e não de ler.
Outro erro batido e clichê foi seu aniversário na casa do Isaac, um menino muito rico com o coleguinha abusado (você) que usa a casa e a amizade para construir um palácio de loucuras. Cheguei atrasada e você me recebeu na porta. Tentei justificar, olhando pro chão, como o seu presente não tinha chegado ainda, mas que assim que chegasse você iria gostar bastante. Acho que você não ouviu uma palavra do que eu disse porque me cortou no meio da frase e me apresentou uma loirinha de propaganda de margarina como “essa é a Carol, a minha ex”. A tal Carol sorriu para mim como se eu fosse a câmera da propaganda de margarina e eu fiquei sem reação... Eu deveria fazer o que com a-Carol-loira-bonita-ex-do-bem? Ela me deu um abraço e você me puxou para apresentar a sua “galera”, que não deu a menor bola para a minha presença.
Enquanto vocês estavam super chapados o Isaac ficou conversando comigo e se mostrando o anfitrião mais fofo possível. Alguma coisa tinha que estar razoavelmente boa naquele lugar.
Foi mais ou menos lá pela meia noite que Isaac decidiu abrir umas garrafas de champagne para brindar seu aniversário (o carinho de Isaac por você é evidentemente uma paixão, mas você ignora). Todo mundo recebeu uma taça repleta daquela bebida meio metida quando você, já mais louco que o normal, decidiu que queria brindar comigo e Carol juntas. Sua força quebrou a taça na minha mão e me deixou encharcada. Enquanto você e Carol riam de bêbados da Carrie, a estranha, Isaac correu comigo pro banheiro para me ajudar. Como cortei meu dedo com esse caquinho, resolvi te entregar essa lembrança da sua enorme preocupação com os outros.

Fui embora imediatamente e você recebeu a notícia com um “ah tá...que pena, achei que você fosse dormir comigo”. Você e a maioria da sua galera deve pensar que é um escândalo eu ficar com raiva de você já que não fui “traída”, nem falaram mal de mim, mas talvez vocês não alcancem os cuidados e preocupações que cercam o mundo que vive fora de vocês. O que começa mal, sempre termina mal. E como todo desastre tem sua caixa preta, como todo drama tem presságios e avisos; te devolvo nessa caixinha todos os sinais e provas de que nós nunca existimos e nem vamos dar certo. Não atendo mais suas chamada, mas não por te achar uma pessoa errada, mas é que seu destino é diferente do meu. Eu não sei fazer propagandas e nem viver em palácios.