sábado, 31 de maio de 2014

Passagem, calor e aguada


Mollica, você está melhor? Ta conseguindo respirar agora? Eu espero que sim...A morte não pode ser um descanso, eu lamento te dizer isso, mas pelo menos ela nos liberta de amarras que a vida não pode soltar, como a falta de ar.
Não estávamos mais próximos no fim da sua vida mas você se lembrava de mim com carinho e isso é toda a aproximação que precisamos. Mesmo assim eu te sinto atravessando, nesse momento, os planos pictóricos e as cores. Ainda te ouço gritar elogios, história da arte, experiência de vida, críticas.
Você me protegeu. Você apresentou o Rio de Janeiro da única forma que ele poderia ser apresentado aos seus alunos.
Pelo menos você se torna agora tudo aquilo que te angustiava por não ser em vida, um quadro, uma obra, uma cor. Na verdade, se eu for buscar na minha memória eu só lembro de você assim, como cor.
Não se preocupe, isso tudo é apenas um bilhete, eu sei que você está sem tempo agora, mas só queria dizer que ta tudo bem. Que as dores da vida foram purgadas na arte. Mas você já sabe disso, não é? Acho que você percebe agora que a morte não é para ajustar nossos erros, mas para perceber que já os ajustamos em vida.
Eu não sei nada disso, professor, só estou falando aquilo que você falaria para mim.
Eu espero não ter te decepcionado por não me sentir mais um possível artista. Eu ainda tenho chances? Mesmo ríspido eu sinto que você foi o único quem acreditou em mim.
Mestre, você foi o primeiro. E justo por isso eu não quero estragar nada fazendo uma pretensa homenagem ou qualquer coisa mais floreada, só quero poder dizer um até logo.
Eu sei que agora você me escuta.
Vou manter as saudades de sempre, professor.
Muito obrigado
Do seu aluno, que era pra você: "um merdinha de 14 anos que já tem visão de artista"

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