quinta-feira, 8 de maio de 2014

Amor de Infância

“Camilo, eu vou sair do hospital bem rapidinho. Eu vou na sua casa pra gente brincar. Ass: Guilhermo”
Guilhermo saiu do hospital morto, nunca brincou em minha casa e eu nunca mais ouvi sua voz.
Nós tínhamos cinco ou quatro anos, dois moleques bagunceiros que gostavam das mesmas coisas e dividiam as mesmas namoradas na creche. Governávamos o pátio do recreio, vivíamos grudados e estávamos no inicio do aprendizado sobre ciúmes.
Quando Gui Gui ficou doente meu pai, muito sem jeito, me levou para visita-lo. Antes de entrarmos no quarto, ele virou e disse: “Filho, o Gui Gui tá muito dodói, tá usando roupa de hospital e por conta do tratamento ele ficou carequinha. Então não fica reparando e nem comentando isso, tá bom?” Mas crianças se entendem e não precisam desse código de etiqueta que os adultos inventaram. Fora que a saudade que eu tinha do Gui Gui era tão grande que não conseguia nem pensar no estado dele.
O sol estava bonito naquela tarde e fazia todas as pedrinhas místicas na janela brilharem. Guilhermo me explicou para que cada uma servia, e até hoje penso que foi com ele que começou a minha paixão pelo universo oculto, místico.
Quando ele morreu ficaram, de muitas, três lembranças bem marcadas na minha cabeça: a do marcador de livros com o recadinho de que ele melhoraria, a visita ao hospital e da sua casa vazia, sem ele, sem sol.
Essa última lembrança da casa eu até hoje não sei dizer se foi um sonho, mas lembro de mim sozinho andando pela casa, pela beira da piscina, em frente à escadaria... Lembro de um dia muito nublado, muito silencioso, muito triste. Não tinha Gui Gui na casa e eu também não o procurava, só tentava lembrar e guardar lembranças.
Gui Gui morreu como meu primeiro amor. Talvez até comentem: “Nossa, você se descobriu gay cedo né?” Não sei dizer. Eu descobri o amor muito cedo, aquele amor bonito de criança. Nós não víamos necessidade em nos classificar e nem dar nomes pra relação, a gente vivia junto, só isso. Me descobri também muito homem por ver, sentir e encarar aquela morte da forma que encarei.
Confesso sentir saudades até hoje do Gui Gui, mesmo depois de Leonardos, Edsons, Murillos, Fernandos, Gustavos e um Caio. Sinto saudades da imagem que guardei dele, daquele menino que estava sempre do meu lado, que me queria sempre em sua casa e que não pensava em nada que não me incluísse.
Talvez Gui Gui seja hoje um anjinho que me cerca, um cupido ciumento que só permite poucos namoros em minha vida.
Espero que depois que ele “melhorou” e saiu do hospital ele tenha ido à minha casa e saiu do hospital ele tenha ido à minha casa e brincado muito comigo enquanto eu pensava estar sozinho. E espero que além de estar me observando, ele também esteja aguardando o dia em que eu vá retribuir a visita.

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