domingo, 17 de agosto de 2014

Por Parte de Pai



-Mãe, a minha relação com o meu pai só vai melhorar quando ele morrer, e isso já está para acontecer.

Quando eu disse essas palavras em uma conversa com minha mãe, nós não sabíamos que meu pai estava mal de saúde. Foi profecia.

Todo mundo sempre soube, e hoje faz questão de esquecer, como era difícil a convivência entre Camilo e Luiz. O primeiro era criança e o segundo era um monstro. Um monstro literário, um monstro acadêmico, um monstro de amigo...mas não era fácil dividir o mesmo teto desse monstro. Porque o que mais nos incomoda na monstruosidade dos outros é aquilo de ruim e sedutor que ela pode despertar em você.

Minha mãe sempre diz que falar cura, mas falar sobre meu pai é tão difícil quanto era falar com ele. Todo mundo tinha a mesma quantidade de medo e admiração por ele. Não era fácil. Não foi fácil. Porque até mesmo nas relações conflituosas, de inimigos ou amantes, existe uma ponte ou um caminho de rápido acesso entre as partes; com a gente esse percurso não se fazia visível.

Lembro de momentos felizes, bonitos, doces, só não lembro de um pai. Lembro bem de um homem difícil que dormia, trabalhava, era conhecido e genial. Momentos felizes servem para alguma coisa?

A morte do meu pai trouxe mais que uma boa relação, trouxe luz, trouxe conhecimento. Eu consegui sentir alívio, prazer, tristeza e tudo o mais o que eu não me permiti sentir na sua vida. Hoje sei quem foi Luiz. Continuo sem saber quem foi meu pai, talvez eu não possa saber...

Eu o deixei morrer sem perguntar se ele realmente me amava, se ele sentia orgulho de mim. Só via raiva, cobranças... Só fui ver meu pai depois da sua morte, no espelho, no meu olho, na minha música. Percebi que eu estava me tornando aquilo que neguei, que não entendi. Metade de mim quer ter o tamanho dele e a luz que ele guardou, a outra metade quer se rasgar por ser meio monstra, meio rude, meio só. A monstruosidade não é genética, é de alma pra alma.


A morte pra mim nunca foi início, nem começo de nada, apenas um reflexo em uma poça de água parada e escura que fica sorrindo sorrindo sorrindo...até que some. 

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