domingo, 4 de outubro de 2015

Recaída

Minha mãe me contava que só podemos falar sobre aquilo que conhecemos bem, mas as vezes o que conhecemos é tão soturno que fica difícil ter o que falar. 

Também por outro conselho de minha mãe sobre formas de escrever, recorri ao dicionário para entender a palavra-tema e dentre os três significados do verbete Redenção, eu encontrei: Ajuda ou recurso capaz de livrar ou salvar alguém de situação aflitiva ou perigosa. Lendo essa definição e correndo os olhos pelas definições das palavras vizinhas, percebi como as palavras que começam em R, em geral, são cheias de esperança. O R te força muitas vezes a tentar de novo aquilo que não deu certo, ou que deu tão certo que você quer fazer pelo resto da vida. Redesenhar, refazer, reeducar, recolher, respirar…

Desde pequeno entendo a redenção sem saber. Me parece que é a palavra mais cheia de esperanças vazias, porque ela nunca funciona. Mesmo se usarmos o clássico exemplo do homem Cristo, a redenção é uma pessoa no campo gritando para que o piloto do avião lá no alto não bata, não caia, não durma. O avião sempre cai e a pessoa sempre se culpa. 

Foi assim a vida e queda de meu pai, não teve ascenção. Sei bem o quanto minha mãe tentou, o quanto ela gritou para que ele não caísse, mas a queda… E eu olhava meu pai e perguntava “porque você não me vê?”, mas ele não podia ver nada. Papai nasceu no próprio escuro.
Dessa experiência o que se aprende? Na verdade, o que se aprende de toda e qualquer experiência? A repetir erros de uma maneira mais refinada e cheia de justificativas. Foi o que eu fiz e ainda faço sempre que surge uma oportunidade. 

Logo a Redenção se espalha como mais um dos mitos católicos, como a culpa, como o perdão. Somos nós capazes de viver essas três coisas ao mesmo tempo? Peço perdão por preencher linhas com memórias afetivas ou íntimas demais; mas não escrevo isso somente porque é o que eu sei, mas sim porque todos os mitos da elevação celeste católica começam na família, certo?

Vivemos então as repetições freudianas dos erros dos nossos pais. Percorri, por isso, Cidades Invisíveis e tentei penetrar terrenos impenetráveis da cabeça/coração de algumas pessoas, tentando resgatar alguns pilotos de avião como fez minha mãe, como fazemos todo dia. Só que por mais inevitável que seja a queda do objeto, quem sente mais o impacto somos nós, os telespectadores que se convencem do falso poder de salvação. Aquilo que cai já está na trajetória de queda desde seu nascimento, aquilo está feito na queda, se acostumou. O final daquele longo “caindo” pode ser muitas vezes a morte, e quem sobrevive fica revivendo aquele fim por muito tempo, por diversos ângulos. 
Será que no final existe uma reação em cadeia? Aquele que cai atrai o outro para o centro, que esse, por sua vez, puxa mais um, e mais um, e mais um…

O desespero sempre me cala, só meu interior grita nessas horas. Releio então uns versos de Rilke e tenho a certeza de que o redentor é um mito necessário.

“Quem se eu gritasse, entre as legiões dos Anjos
me ouviria? E mesmo que um deles me tomasse 
inesperadamente em seu coração, aniquilar-me-ia
sua existência demasiado forte. (…)”


Rainer Maria Rilke (Elegias de Duíno)

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